domingo, março 01, 2009

Missie Binot

Licença...mecê Binô.
Apenas quem o conhecia, dele podia falar...

Com uma aparência sisuda, e um olhar de desconfiança que lhe escapava os óculos, assim ele se apresentava quando não queria ser incomodado, coisa rara a acontecer. Puxava a aba de seu surrado panamá pra junto da testa e alí ficava causando pavor a molecada da ilha.

Usava um jeans desbotado, que havia sido presente do filho, e uma bata de um tecido fino e transparente que ele mesmo cozia conforme seus lençóis iam ficando gastos.


Por razão da considerável perda de peso, o filho renovou os antigos trapos de vestir de seu pai, presenteando-o com trapos novos.

Esse jeans eu já conhecia a cerca de mais de três anos, foi quando esse filho fez sua última visita ao pai.


- Nossos velhos estão morrendo há séculos; e este é um fato inevitável.

- Evitável sim é o esquecimento.
Essas foram as ultimas palavras que o filho me disse antes de partir.


Passaram-se três anos desde a última visita, e passei todo esse tempo tentando entendê-las.


Ele não mudou sua rotina pela ausência, nem ficou mais triste pelo tempo que faz que o filho não vem vê-lo.
Nunca os vi brigando, suas discussões eram ricas para serem assistidas, eles se entendiam muito bem, mesmo quando não concordavam no assunto da roda.


O filho sabia que não adiantava comprar roupas novas para seu pai, que isso seria um dinheiro jogado fora, pois ele nunca as usaria.

E quando o filho via o pai vestido com aquelas estranhas batas, às vezes com indecifráveis estampas apagadas pelo tempo, sabia ele que, esse conforto era para o pai o que lhe bastava.


E quando o questionava sobre a calça jeans, por essa ser tão mais quente que o tecido da bata, então, ele respondia-me que a calça tinha que ser quente, pois quando suas bolas esfriassem, suas pernas já estariam aquecidas o suficiente para não adormecer seus pés, e a leveza da bata era justamente para quando o calor da andropausa o sufocasse, seu peito encontraria no agradável tecido uma leveza para respirar.


Sabíamos que embaixo daquele bronzeado adquirido em todos os seus anos, existia uma pele clara e delicada, e comprovávamos a desconfiança quando ele orgulhosamente sacava da carteira um pequeno retrato , e com ele exibia uma beleza forte e meiga possuída na juventude.


As prosas eram frequentes e os causos nunca se esgotavam, ele devaneava pelas experiências vividas ou apenas as ouvidas por um outro contador de causos.



Nas noites frias, a prosa começava mais cedo, afinal ele tinha a responsabilidade de proteger seus pulmões fragilizados por um dia ele não a ter tido.

E nesse caso reuníamos-nos pontualmente nesse horário antecipado para o deleite de uma prosa.

Quando o calor corria noite adentro a prosa ficava mais calma, pois vozes e gestos exagerados o fatigavam.


Entre o final do outono e o ínicio da primavera, aconteciam as melhores prosas, iam da calmaria ao exagero que sucumbia na oferenda de uma caneca quente que transbordava chá de erva cidreira.

Lembro do cheiro desse chá, com mais clareza do que a última refeição que fiz, tudo alí tinha um sabor especial, um som único, lembranças que guardarei para meus netos.


Nessas noites inesquecíveis, ele nos proporcionava momentos contando suas histórias ou pronunciando-se com tanta pureza suas opiniões, às vezes até, mal interpretadas se não o conhecêssemos bem, e se apenas só lembrássemos da primeira impressão causada por sua aparência dissimuladamente enganadora.

Quando ultrapassada essa etapa, conseguíamos ouvir o silêncio que acontecia quando davamos uma pausa para respirar ou suspirar, e esse era rompido com coaxados e zunidos que outros seres produziam enquanto ao se aproximarem dividiam conosco o espaço para ouvir aquela prazerosa narrativa.


Quantos Binot...

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