segunda-feira, fevereiro 16, 2009

A praça e o coreto.


"O dia passa e leva junto o momento, que transformará a vida no dia seguinte..."
Era o dia mais quente daquele verão... o calor invadia a alma, uma respiração pesada e vagarosa podia ser ouvida mesmo no meio da multidão que movimentava-se sem muito entusiasmo.
Os cachorros que descansavam sob as sombras das árvores espalhadas pela praça, ofegavam juntos numa letargia inevitável que aquela tarde trazia. Os velhos sábios admiravam cada detalhe que suas cataratas lhes permitiam ver.Seus semblantes eram insinuadores frenéticos de seus desagrados intestinais, que ocorriam incontroláveis a suas vontades, e os bons modos adquiridos na infância, hoje são esquecidos pelo tempo, que também lhes dá o direito e transforma seus prazeres. Senhores criadores, possuídores e realizadores de flatulências que não provocavam, mais nada, além do que algumas solidárias risadas pronunciadas discretamente por seus cúmplices e acompanhantes. Sentavam-se majestosamente em pequenos bancos distribuídos pelo gramado, e em antigas cadeiras de madeira que ficavam dispostas nos arredores de delicados e gastos tabuleiros de damas e xadrez ,esses eram sustentados, por uma coluna de cimento, transformando-os em mesas.
Aquela praça parecia um santuário habitada por seus mestres, que em seus leves, raros e lerdos movimentos, davam a sensação de um imenso painel pintado pelo olhar.
Assustavam-se de vez em quando, com o barulho dos galhos mais fracos, que estralavam sem ritmo algum por entre as árvores, pegando-os desprevenidos no cochilo, ou na contemplação de uma jogada. O céu trazia poucas nuvens, deixando assim seu azul perder-se numa imensidão silenciosa.
Mas aquela tarde foi interrompida com a chegada do seu Berneval, o secretário da prefeitura.
Ele viera acompanhado por dois caminhões repletos de homens vestidos com macacões que de tão amarelos doiama os olhos, cada um trazia pesadas ferramentas que acusavam muito barulho pela frente.
Seu Berneval parou, e como num exército, todos os homens ficaram imóveis, enquanto ele sacava do bolso os óculos, dependurando-o na ponta do nariz , e num gesto de muito impacto, tirava um envelope que carregava no bolso interno de seu elegante paletó.
Nesse momento todas as atenções eram do seu Berneval, e tendo consciência disso, ele deu inicio a uma trágica leitura.
Comunicado:
- “Senhores munícipes, os cupins chegaram e invadiram nosso coreto.
Eles chegaram sem serem percebidos, cada qual carregando um instrumento.
E envoltos em nossas ocupações, não percebemos a eficiência na realização de sua execução.
Sendo assim, a peça que eles executavam, não poderia ser ouvida por nós.
Então, no final do espetáculo, quando a orquestra já estava se retirando, após ter realizado uma peça dificílima e com perfeição, não deixando uma nota se quer sem ser regida ou tocada, e somente na sua retirada. Foi então, que nossos olhos perceberam a destruição causada por aqueles cupins, em nosso lindo e majestoso coreto.
E quando nos aproximamos, foi que percebemos, que aquela obra era definitiva para aqueles operários.
Por isso, senhores munícipes, uma operação de emergência foi acionada, e a intenção que a orquestra tinha de fazer outra execução na igreja matriz foi interrompida com muito êxito por essa comunidade.
E, com a aproximação das festas, nos vemos obrigados a realizar este concerto de improviso em nosso coreto.

Agradecemos a compreensão de todos os amigos desta praça."


E assim, seu Berneval leu seu comunicado, e ao sair , seus operários deram seqüência a tal reforma.
A praça, os sábios, os cachorros preguiçosos, os trauseuntes costumeiros suportaram pacientemente a quebra do silêncio que nem na hora da cesta era respeitado, tanta era a urgência da tal reforma.

E assim a praça ganhou um novo coreto, e a igreja foi salva e conservada, como se nunca, nenhum cupim por ali tivesse passado.

2 comentários:

Dona Sra. Urtigão disse...

Vim aqui retribuir a visita, acabei encantada, fui rolando e descendo nas historias dessa boa contadora de historias.
(Ja conhecia um pouco de suas letras, do sr. do Vale e confesso uma certa inveja do dominio das palavras )

O Profeta disse...

...E tu ganhaste o meu reconhecimento deseres uma grande escritora...


Doce beijo